sábado, 13 de dezembro de 2008

Intercâmbio

"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."
Antoine de Saint-Exupery


No Terceiro ano de UnB (Universidade de Brasília), minha amiga chamou para ir com ela em um intercâmbio de trabalho nos EUA. Fiz uma mutreta tamanha que lá em casa acharam que era pra estudar. Após meses correndo atrás de papelada fui tirar o visto na temida embaixada dos EUA, onde ouvi dizer que negavam o visto só de não ir com a sua cara. Acredita que a mulher não olhou NENHUM documento que eu levei e me deu o visto! Por um lado fiquei com raiva de ter tirado tanta xerox de documentos pra nada mas por outro ela foi com a minha cara! :P

Foto: Cherry Blossoms de Washington com Jefferson Memorial ao fundo.


Ps: muita gente fala que tenho cara de ser calminha e santinha...e eu sempre respondo..só se for do pau oco :) e acabou que minha amiga foi pra outra cidade e nem vi ela durante o intercâmbio inteiro..aliás durante 1 ano inteiro.
Enfim..com visto na mão embarquei em 1 semana...a 1 semana do natal de 2003.
Fui com uma menina que acabou virando uma grande amiga da qual sinto muitas saudades já que ela se bandeou pros EUA de vez. Só sei que chegando em Miami a imigração arrumou um rolo com ela que estava responsável por levar um menor de idade para a mãe que estava morando lá..detalhe que ela também era menor de idade para os americanos. Não teve jeito...depois de um tempão sem notícias deles que foram encaminhados pro interrogatório da imigração segui viagem sozinha pra NY e me vi sozinha no JFK (aeroporto) meia noite! Como ainda tinha muito chão pela frente até chegar no meu destino final fui perguntar no balcão de informação (de um aeroporto internacional, e veja bem...de NY!!!!!!!!) como fazia pra chegar na rodoviária. Tamanha a surpresa quando a senhora me responde: não sei te informar..pergunta pros taxistas...que me informaram que não tinha ônibus naquela hora..só me restava esperar amanhecer...

Sentada na área de lanchonetes do aeroporto conheci 2 americanas com estilo hippie e punk, rspectivamente que estavam voltando de um mochilão pela Europa e me chamaram pra jogar baralho enquanto esperavam a conexão delas. Papo vai papo vem não durou muito e estava sozinha lá de novo enquanto várias pessoas babavam esparramadas em cima das mesas das lanchonetes vencidas pelo cansaço, exaustas de esperar vôos.

Como já estava entediada resolvi pegar logo o bendito táxi pra rodoviária, isso era 4 horas da manhã. Só sei que eu e o taxista não nos entendíamos, pois eu com o inglês todo travado naquela época não entendia o recém imigrante mexicano ou peruano ou chileno, sei lá (meu espanhol é péssimo), que arranhava o inglês. Só sei que depois que pronunciei a palavra BRASIL tudo entrou no eixo (diga-se de passagem que essa palavra me salvou em várias oportunidades). No percurso que deve ter durado uns 30 minutos acabou virando quase um pai de tantos conselhos que me dava.

Finalmente às 6h30 da manhã saiu o primeiro ônibus com destino a AC (Atlantic City no estado de New Jersey). Tudo que sabia da cidade era que ela cheia de casinos e de um filme que eu vi quando criança na sessão da tarde que falava que AC era a cidade onde todos os sonhos aconteciam..mas isso era na década de 40 ou 50. Mal sabia eu que a cidade tinha virado reduto de traficantes e considerada altamente perigosa por ter uma grande concentração de negros. Os "brancos" moravam em cidades vizinhas que seriam equivalentes às nossas cidades satélites (em Brasília).

Tudo era novidade na estrada.

A rodoviária da cidadezinha dava de 100 a 0 na da capital do Brasil. Como tava que nem barata tonta fui perguntar qual ônibus da cidade me faria chegar até o Social Security Office para tirar uma espécie de CPF de lá pra poder começar a trabalhar. Mas antes é claro, ia deixar a mala em um dos inúmeros motéis (pessoal motel lá não é como motel aqui, lembrem disso!) que nos indicaram. O policial falou que era tão longe que resolvi pegar um táxi e surpresa a minha que o motorista praticamente só virou a esquina. Me enrolaram! Ainda por cima dou de cara com um paquistanês e sendo meu primeiro dia ao sol na América não entendia bulhufas do sotaque inglês deles. Perguntei logo se tinha brasileiro hospedado (tinham nos dito que muitos estudantes já tinham chegado lá) e não é que me tornei amiga de infância de um carioca que nunca tinha visto na vida! O que a gente não faz no estrangeiro hein? Pra desenrolar logo larguei a mala na recepção do hotel contando com a má vontade do paquistanês de não furtar nada nem dar sumiço nas minhas coisas. E lá fui eu pegar o ônibus pra tirar o documento.

Gente, me expliquem.... tem alguma cidade que tem o mesmo número de ônibus pra 2 linhas!
Poizé lá tinha! só que eu não sabia e eu acho que o povo nem pensou que quem não é da cidade não ia saber que tinha ônibus normal e ônibus pequeno (tipo mini ônibus) com mesmos números! é claroooooooo que eu peguei o ônibus errado mas com número igual do outro! e ainda fui tapeada pelo motorista quando perguntei se já tava perto: Oh! it is the next stop...just walk along the street and you ll be there! Fiquei andando por umas 3 horas. (depois reclamam de brasileiro quando falamos..é bem ali!

Acabei chegando numa Highway (auto-estrada) americana mas a anta aqui nem se tocou porque os caminhões estavam buzinando com a doida varrida andando no meio da estrada...toda hora via uma bandeira ao longe e achava que era órgão público...povo patriota viu! pelo menos no brasil quando você vê uma bandeira sabe que é coisa do governo ai ai! Só sei que o último pit stop foi numa loja de ferramentas ..imaginem, daquelas casinhas de madeira no meio do nada com 2 caras todos bombados vestindo jardineiras jeans bem gordinhos e branquinhos com bigode...e ainda perguntam..você tá de carro? como a resposta foi NO!!!!!!!! eles meio que riram da minha cara porque ainda tinha muito chão pela frente. Cena de filme..que nada..dura realidade...Nessa altura já tava bufando de raiva e xingando deus e o mundo americano, engraçado que quando a gente tá morrendo de raiva sempre aparece a luz no fim do túnel! Achei a bendita placa com o nome do lugar e também vi o grupo de SP, que pegou outro vôo, chegando junto comigo, mas eles pegaram o ônibus certo e chegaram lá em 30 minutos todos sentadinhos. Enquanto eu fiquei andando no inverno num frio da P%$$# de alguns graus negativos. PS: ainda não tinha casaco que segurava bem o frio no 1º dia.

Bem esse foi meu primeiro dia na terrinha do Tio Sam.

Depois que passamos por treinamento e começamos a trabalhar efetivamente no casino, fui parar no Harrah´s Entertainment e virei caixa de casino interno....sem noção meu caixa abria com mais de US$ 100,000 toda noite. E o medo de sumir uma verdinha e ter que sair do bolso ou ser presa. Vixi maria!

Ficamos sabendo lá com os co-workers que morar em AC mesmo só negros e traficantes e que não era seguro..que éramos doidinhos. Mal sabem eles que o RJ é bem pior. Aquilo lá tava tranqüilo até demais.

Como não consegui casa pra alugar o nosso grupo de 6 pessoas (4 mulheres e 2 homens) resolveu ficar morando em motel mesmo e ser submetido a alugueis semanais altíssimos enquanto o pessoal que alugou os moquifos pagavam uma miséria de aluguel.

Bem, o lugar que mais íamos pela distância da nossa "casa" era o Pulgas (adivinharam o porque do nome? lógico que tinha pulgas lá!). O pulgas era a casa de uns cariocas..na verdade vou tentar descrever como o prédio era: sabe aqueles filmes de polícia que tem uns becos e prédios de tijolinhos vermelhos que depois de um certo tempo fica encardido e preto, com uma escadinha na lateral pro elemento sair pela janela e pular na lata de lixo encostada estrategicamente? então! isso mesmo... que a polícia sempre faz a ronda e tem a porta de madeira com um vidro enorme pedindo pra ser quebrado visualizando um carinha na sombra embaixo da escada fumando umas ou duas....poizé! esse era o Pulgas!

Durante minha estada de 3 meses em AC fui despejada umas 13 vezes dos motéis porque os paquistaneses, indianos e afins decidiam de última hora que nosso quarto suíte (onde ficavam 6 pessoas e que eles cobravam o aluguel mais caro...considere isso como praticamente um crime de extorsão!) estava vago para ser alugado para turistas mais abastados que iam pagar bem mais. Um desses despejos ocorreu no dia 31 de dezembro pouco antes de irmos passar o revéillon em NY para ver aquela famosa bolinha colorida da Times Square..acabamos ficando bem longe quase no Central Park e nem é lá grande coisa...fogos então..nem se compara....sem brincadeira...15-20 minutos após a meia noite não tinha uma viva alma na rua da cidade e a polícia ainda estava expulsando a gente da rua porque os lixeiros tinham que limpar a cidade.
Detalhe que o próximo ônibus pra AC era só 6h da manhã....não deu outra, ficamos a noite perambulando por Manhattan esperando a hora do busão e entrando nos poucos cafés que estavam abertos para esquentar e não congelar na rua.

Lembro de uma vez que andando pela rua....com os mais de 40 brasileiros estudantes que estavam na cidade, e a maioria loirinhos do sul num bairro negro. Entramos em uma loja predominantemente de negros..aliás era raríssimo ver brancos na cidade mesmo. Quando eu ouço lá do caixa da loja.... What the hell they are doing here? ou algo do tipo Yo man! Let´s fuck with.... nem queira saber o resto da frase... só sei que a gente danou a falar em português já que a porta foi "barrada" por um dos vendedores também. Aí que tudo mudou....lembram da palavra mágica ne! BRASIL!!! viramos a sensação da cidade (esqueci: a cidade não era tão grande nem tão pequena, na avenida principal, pela extensão, a gente olhava de um lado e do outro lado já tinha o final da cidade não contando a largura.... continuando, não entendiam como japoneses, chinesa (eu), loirinhos dos olhos azuis e um negão podiam ser todos brasileiros! e eu dando exemplos a eles de como nos EUA tinha gente de todas as raças americanos e mesmo assim eles não entendiam a lógica....depois entendi que asiático ou indiano ou qualquer outro estrangeiro mesmo com filhos nascidos lá não se denominavam americanos.

Passamos por poucas e boas e hoje rimos das desgraças que na hora chorávamos de raiva. Aprendemos a "nos virar" sem pai nem mãe pra nos adular. Trabalhávamos em horários que de acordo com a definição dos próprios americanos sabíamos que era desumano...GRAVE shift (an excavation made in the earth in which to bury a dead body, em português COVA), imagina você falando com seus pais e falando: pai tá ótimo trabalho de 21h-7h ou de 19h-5h, pra mim isso é trabalho de outro tipo que não vou comentar aqui. Vencemos cansaço, sono (com muito chafé), muitas e muitas horas extras chegando a trabalhar por quase 20 horas seguidas (loucuras de estudantes aborrecentes) e ainda saíamos do trabalho direto pra rodoviária pra conhecer as cidades mais próximas como NY (dividimos o mapa da cidade e definimos metas que quantas ruas e museus visitaríamos a cada visita porque no final do dia tínhamos que voltar pra trabalhar!), Philadelphia, Washington, Newark, etc. Só pra NY devo ter ido umas 15 vezes. Nossa rotina de descanso variava entre escalas de viajens e cama para não nos transformarmos em zumbis ambulantes.

Íamos bem ali em NY em noites de folga quando não tínhamos nada pra fazer só pra tomar um suco ou pra Philadelphia jogar sinuca às 3h da manhã. Cidades 24 horas são fantásticas!
Philadelphia e Washington são simplesmente maravilhosas....com bandeiras de todas as nações hasteadas na avenida principal, diversos museus (onde se localiza aquele museu que o Rocky Balboa subiu as escadarias correndo; e as maravilhosas cherry blossoms, respectivamente. Durante a visita à Washington ainda presenciei um grupo de estudantes que visitam a Capital como parte de um programa de formação de futuros políticos e cérebros pensantes, oportunidade que muitos almejam mas poucos se qualificam, soube por meio de um deles que existe um concurso ou prova de qualificação para somente participar desta viajem onde os alunos visitam a Casa Branca, se viram ou não o Bush aí não sei.

Foto: Philadelphia, a casinha amarela é na verdade bem grande (Museu de arte)

Após os 3 meses muitos se foram e muitos estavam indo...aos poucos a cidade foi ficando vazia dos novos amigos e a saudade começando a bater mais forte....hora de voltar e ver a realidade brasileira. Como disse minha amiga: Nos EUA até cobrador de ônibus é modelo de revista! Não há comparação que se possa fazer com os nordestinos retirantes que nos rodeam na maioria das capitais em busca de um lugar ao sol.

Tempos difíceis mas alegres e divertidos que deixam saudades, onde todos crescemos e aprendemos a complicada experiência de conviver na sociedade adulta procurando um equilíbrio nos "defeitos" e nas "virtudes" de cada pessoa (friends is a thing we'll always be).

3 comentários:

Helga disse...

Ah, tantos comentários.. :)

"lá em casa acharam que era pra estudar", hahhaha Tou lembrando da tua cara de santinha.

Maldita seja a sua visita na embaixada!! COmigo eu pensei que mesmo com tudo certo não me deixariam entrar. A mesma impressão em Miami!

Também descobri que a palavra chave era BRASIL!! Ah, como abria portas!! E uns sorrisos, era muito engraçado "aaaah, vc é do Brasil?" do tipo "pq não disse antes?". Por isso que muita gente vem pra cá pra pegar nacionalidade brasileña. O mesmo que fazemos como descendentes de europeus, hahahaha.

Essa dos ônibus também acontece em Brasília. Você tem de saber a cor do ônibus que pode pegar, porque o fato de estar escrito W3 Sul/Norte não garante que custará R$2,00!

Poizé, se tivéssemos um hino nacional que apreciasse tanto a nossa bandeira, talvez gostássemos mais dela fora de disputas esportivas internacionais.

Mas vcs também, né? Nem disfarçavam! Moravam logo 6 brazucas juntos? Hahhahaha

Horrível esse Pulgas aí, hein!

Sacanagem que tu foi horrores pra NY. Eu fui.. nenhuma! :( Mas eu voltarei, HA HA HA HA HA HA!

Ei, alguém repetiu o feito do Rocky Balboa e subiu correndo as escadas lá? Nos meus bons tempos eu faria! :P

MCTS disse...

helga você não entendeu! não é questão de preço...por exemplo em brasília não tem 2 ônibus com o mesmo número tipo 106-grande circular, que vai para lugares diferentes!
acho que todo mundo que foi no museu subiu e ficou pulando que nem o rock ou pelo menos tirou fotinha com os braços pro céu! :)

Suzana disse...

Caracas! Quanta loucura! Vc tem é muita história pra contar.
Beijos